Nos últimos tempos eu vivi um período de luto. Senti como se a vida estivesse passando em câmera lenta. Eu trabalhei em câmera lenta, comi em câmera lenta, amei em câmera lenta. Porque a minha vida, ou o meu sentimento de viver, de repente caiu em areia movediça e tudo, tudo, começou a se imobilizar dentro de mim, sendo mastigado, em silêncio, pela existência. 

 

Essa história começa num lugar com cara de contos de fadas onde eu conheci o filhote que mudou a minha vida. Ele nasceu num lugar chamado Linda Serra dos Topázios. Parece poético demais, mas às vezes a realidade consegue ser melhor que a ficção. Eu estava passeando pela Linda Serra dos Topázios quando o vi, sozinho, tremendo de frio, deixado para morrer. Tão pequeno, tão frágil, tão indefeso. Eu não tive dúvidas de que cuidaria dele. Enrolei o pequenino em uma toalha e levei comigo.

 

Eu imaginei ele ficando grande, bonito. Eu imaginei que eu fosse poder soltá-lo novamente na natureza. Eu replanejei todas as viagens que eu tinha marcadas, decidi não usar todas as passagens que já estavam compradas, para cuidar dele. Na segunda-feira, quando tive que trabalhar, não pude evitar chorar por grande parte do dia, porque como a sociedade poderia querer, de certa forma exigir, que eu ficasse longe de um filhote? Eu chorei de manhã, eu chorei no almoço, chorei em casa e  chorei em público, chorei antes e depois de vê-lo, eu chorei à noite, e chorei principalmente por perceber que ele não estava bem. “Nenhum bebê, não importa de qual espécie, merece ficar sozinho no mundo”, eu pensei.

 

 Naquela semana eu fiz de tudo: mudei meus horários do trabalho para poder alimentá-lo mais vezes ao dia, comprei bem mais papinha do que o necessário e, finalmente, o internei numa clínica veterinária especializada. Todo mundo me falava que esses filhotinhos, quando perdem a mãe, dificilmente sobrevivem. Mas eu queria acreditar que ele teria uma vida longa e feliz, e acreditei. 

 

Mas não importa o que eu fizesse, o quanto eu quisesse, o quanto eu amasse, nada disso evitou que ele morresse. 

 

As coisas que tentamos proteger parecem ser as coisas que se vão primeiro. 

 

E por mais que ele tenha ficado comigo por tão pouco tempo, a morte dele escancarou o vazio no centro do meu peito. E por um tempo os ventos sopraram selvagens. E choveu dentro de mim. Choveu fora de mim. Choveu dos meus olhos pra fora. E essa chuva gelada, doída, lavou a minha alma. E eu repensei. Por causa dele eu repensei tantas das minhas escolhas. Por causa dele eu mudei. Não posso dizer ao certo como, mas sei que já não sou mais a mesma que eu costumava ser.