Talvez seja esse o maior desafio da vida
viver em estado de entrega mesmo quando dói
Deixar o vento secar as lágrimas
Mover-se pelo amor, em vez de pela dor
Mesmo quando a dor se conterce dentro de mim
Pedindo pra morrer
Pedindo pra acabar
Pedindo pelo fim
Por que o que é a morte senão proteção da vida?
Dessa vida que escancara as feridas abertas do mundo
Dessa vida que é parte amor e parte dor
Parte coragem e parte medo
Parte afeto e parte solidão
Talvez solidão demais
A solidão de tudo aquilo que não foi e que portanto não existe
e que portanto vive sozinho no não existir
Talvez o maior desafio da vida seja, ainda
A coragem de caminhar pela não existência das partes que não foram felizes
Das partes que se deixaram morrer
Das partes que foram deixadas pra morrer
Talvez a vida seja um eterno resgate da morte
E a braveza seja, na verdade
Aquela de guiar-se pelo pouco que se sabe
Pelo muito que não se sabe
Consciente de não haver eixo nem beira nem direção
Nem alento
Ou será que há?
Talvez seja esse o maior desafio da vida
Acreditar
Acreditar no movimento do mundo
E que a vertigem é só outro ângulo da felicidade
E que a dor é proteção da felicidade nascente
Não se enrijeça – disse a vida
Deixe que a dor doa até que ela termine de doer
E se alguém picar a ferida deixe que a ferida grite
E se alguém lavá-la, chore de alívio
E se umndia ela sarar, corra de emoção
E se nunca sarar, então lembre-se de que a dor estava ali para fazer companhia
Fazer companhia a tudo aquilo que vive sozinho no não existir.
Eu tenho medo do escuro
Desse breu de mim mesma que me ataca
Do vazio
Do vazio da noite que eu posso encher de medos
Dos medos que me fazem companhia
Nessa minha não existência
Ausência de mim
Ausência de todos
Ausência de tudo
Ausência de tradução
Talvez a braveza da vida seja continuar vivendo mesmo quando não há tradução
Quando as palavras se perdem
Quando não existem pontes
Ilhada sem ilha
Eu pedi ao vento que secasse minhas lágrimas
Ele disse que não
Que ele ia na verdade carregá-las
Para orvalhar o escuro da promessa do amanhã
Eu pedi ao sol que iluminasse essa noite
Ele disse que não
Que eu já fazia isso com a minha luz
Eu disse bobagem
Ele disse que também não enxerga a si mesmo
Eu pedi, finalmente, ao mar
Pedi que ele me levasse embora daqui
Quee afogasse em uma de suas ondas
Ele disse que não
Que eu já quase me afogo nas minhas ondas internas
E que um dia eu aprendo a flutuar
Talvez seja esse o maior desafio da vida
Flutuar.
Morgana Lino.